A FILOSOFIA TAOÍSTA E A MEDICINA TRADICIONAL CHINESA

O TAO DA MEDICINA

O Caractere Tao (Dao 道) é anterior a Dinastia Zhou (1000 a.C). No entanto, foi através de Lao Zi (séc V a.C), contemporâneo de Confúcio, que o conceito ganhou um sentido cosmológico importante para a filosofia, cultura e Medicina Chinesa. Dao pode ser entendido como absoluto anterior às manifestações, bem como aquilo que permeia e dá movimento dentro da multiplicidade do universo.  Segundo Sionneau (2014, p.61):

O Dao pode ser o princípio universal que rege o universo, o estado de perfeição antes da diferenciação e da manifestação que cria o mundo manifesto, o método, o processo, o caminho para encontrar o estado original de harmonia e perfeição e tudo ao mesmo tempo.

O Dao gera o um, o um gera o dois, o dois gera o três e o três geram as dez mil coisas.” (LAO ZI, 2011, p. 218). De acordo com a interpretação de Wu Jyh Cherng (LAOZI, 2011), o Dao é o conceito anterior à manifestação no mundo fenomênico, que gera o Um. O Um gera o dois, ou seja, a dualidade (yin e yang) do mundo fenomênico, as polaridades como luz e sombra, dia e noite, etc. O dois gera o três: Shén, Qi e Jing; céu, homem e terra (conhecido como três tesouros). Do três surgem as “dez mil coisas” ou seja, toda a multiplicidade, tudo o que existe no universo. Sendo assim, o Dao é a fonte de tudo o que existe no universo, em todas as suas manifestações, e é também, o absoluto anterior à manifestação.

O termo em mandarim para Dao (道) tem um significado profundo, segundo Lao Zi (2011), não é possível de ser enunciado, a palavras são limitadas no intento de expressar a sua profundidade. Segundo os comentários de Wu Jyh Cherng (LAOZI, 2011), o ideograma em mandarim apresenta algumas imagens, tais como: caminho, caminhante e o próprio ato de caminhar. Nesse sentido, o significado do caractere apresenta uma perspectiva de movimento, tendo em vista que o caminho se produz conforme o ato de caminhar, em um contínuo vir a ser, “nunca está traçado de antemão, ele vai sendo traçado à medida que nele andamos(…)” (CHENG, 2008, p.36). Sendo assim, o pensamento chinês “não é da ordem do ser, mas do processo em desenvolvimento que se afirma, se verifica e se aperfeiçoa à medida do seu devir” (CHENG, 2008, p.36).

Segundo Rochat de lá Vallée (2019) , tal pensamento evoluiu ao longo de séculos a partir da observação das correlações e correspondências dos fenômenos da natureza e do Cosmos “como um todo de autoprodução permanente e em autorregulação perfeita” (ROCHAT DE LA VALLÉE, 2019, p.11), “enraizando-se em uma relação de confiança intrínseca do homem em relação ao mundo em que vive, e na convicção de que ele possui a capacidade de abranger a totalidade do real (…)” (CHENG, 2008, p. 36).

É a partir do conceito de Dao (道) que se estruturaram as doutrinas do Yin-Yang e dos Cinco Movimentos (Wu Xing), base filosófica da Medicina Chinesa, influenciando do Tuí Ná à acupuntura, do Qi Gong ao Tai Chi Chuan. O Clássico do Imperador Amarelo (Huáng Dì Nèijīng), por exemplo, foi claramente influenciado pelo pensamento Taoísta: “o yin e o yang é o Dào do céu e da terra, a raiz e o começo do nascimento e da morte” (Huàng Dì Nèijīng Sù Wèn, capítulo 5).

“O Dao começou nas imensidões vazias. Estas geraram o universo, do qual nasceu o Qi (氣). O que era puro e leve se elevou e formou o Céu (yang); o que era pesado se aglomerou para formar a Terra (yin)” (CHENG, 2008, p. 282). Aqui fica clara a correlação entre o Dao, cosmologia e Medicina Chinesa: a própria manifestação do Qi como impulso vital deriva do Dao, estabelecendo uma dinâmica que integra o macro ao microcosmo, não estabelecendo distinção entre aspectos cosmológicos e fisiologia:

A Filosofia Taoísta, através da Escola Inn-Iang e da Escola dos Cinco elementos, constitui o pensamento oriental que governa todas as atividades do povo chinês desde os tempos de Fo-Hi e Confúcio — talvez antes. Dentro deste contexto global está a Medicina Tradicional Chinesa, da qual faz parte a Acupuntura, que, portanto, tem sua estrutura apoiada em uma síntese — visão total do universo — macrocosmo do qual o homem — microcosmo — se originou (CORDEIRO, 2021, p. 13).

Sendo assim, o aprofundamento na Medicina Chinesa necessariamente perpassa o estudo da cosmologia, da filosofia e da cultura chinesa. Isso implica dedicar-se ao estudo sincero do Dao (道), que, como afirma Lao Zi, não pode ser expresso em palavras. A relevância do Taoísmo na Medicina Chinesa, portanto, não pode estar apenas circunscrita à teoria, mas deve se atualizar na vivência prática do estudante: em seu ato de caminhar e contemplar os mistérios do universo e da própria existência.

Artigo escrito por: Gabriel Simon Garib. Psicólogo (UEL), especialista em Acupuntura (ABA), professor de Chi Kung e Tai Chuan da Família Yang. Idealizador do Instituto Mãos de Nuvens.

REFERÊNCIAS

LAOZI. Dao De Jing: o livro do caminho e da virtude. Tradução direta do chinês e comentários de Wu Jyh Cherng. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011.

ROCHAT DE LA VALLÉE, Élisabeth. 101 Conceitos-chave da Medicina Chinesa. Tradução: Jean-Pierre Bernadou. São Paulo: Editora Ínverso, 2019.

CHENG, Anne. História do pensamento chinês. Tradução de Gentil Avelino Titton. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

SIONNEAU, Philippe. A essência da medicina chinesa: retorno às origens. Livro 1. Tradução de Silvia Ferreira. São Paulo: EBMC, 2014.