FUNDAMENTOS DA MEDICINA CHINESA: YIN-YANG (陰陽) e CINCO MOVIMENTOS WU XING (五行)
YIN-YANG (陰陽)
De acordo com Rochat de la Vallée (2019, p. 14), “yin e yang são qualidades do sopro, opostas e complementares”. Essa concepção encontra respaldo no Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo, onde, no capítulo 5 do Su Wen, são descritas as polaridades fundamentais da existência: “O yin corresponde à falta de movimento e sua energia simboliza a terra; o yang corresponde ao movimento e sua energia simboliza o céu” (WANG, 2013, p. 49). Em mandarim,
Os dois caracteres yin (隂) e yang (昜) formam um par muito antigo, cujos sentidos originais estão relacionados a fenômenos naturais. Numa colina, o yin mostra 雲: um acúmulo momentâneo de nuvens 雨, e o yang mostra 昜: o nascer do sol 日 que excita o movimento vital 勿 (ROCHAT DE LA VALLÉE, 2019, p.14).
Dessa forma, podemos definir yin e yang como:
Princípios universais bipolares, complementares, opostos, interdependentes e unidos que explicam os movimentos do universo, da maneira como as coisas nascem, crescem, decrescem e morrem através da valsa incessante de mutações (SIONNEAU, 2019, p. 93).
As possibilidades de interações são infinitas, demonstrando a multiplicidade de interação entre os opostos. No entanto, é importante ressaltar que “o processo do desenvolvimento entre Yin e Yang é a união do oposto das coisas que vão se desenvolver, sendo um só” (WANG, 2013, p.63). Dessa forma, pode se dizer que os pares de opostos complementares que estruturam a visão chinesa de mundo fundamentam um modo de pensar não dualista, pois, “em seu movimento contínuo, giratório e espiralado, apontam sempre para um centro” (CHENG, 2008, p. 39 ).
A teoria do yin yang se consolidou como base filosófica cosmológica do pensamento chinês (SIONNEAU, 2014). Para compreendê-lo plenamente, é necessário contextualizar o surgimento e a sistematização de sua teoria na história do desenvolvimento da cultura chinesa, com ênfase especial na sua interlocução com a Medicina Tradicional Chinesa.
Historicamente, as ideias relacionadas ao yin e yang já estavam presentes desde a dinastia Shang (aproximadamente no século XVIII a.C.). No entanto, os termos passaram a ser utilizados de forma mais clara apenas na dinastia Zhou Ocidental, por volta do século VIII a.C. Essa explicitação apareceu em textos atribuídos ao cientista Bó Yáng Fǔ, que descrevia os ciclos naturais com base na alternância entre yin e yang, como o movimento do sol e os tremores da terra (SIONNEAU, 2014).
A teoria do yin-yang foi sistematizada durante a dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.) e sua base conceitual se consolidou principalmente a partir do I Ching. Alguns estudiosos afirmam que foi nesse clássico que a doutrina do yin-yang começou a ser aplicada como um método dialético para interpretar os fenômenos do universo, ganhando contornos mais precisos, influenciando não apenas o pensamento filosófico, mas também áreas como medicina, política, estratégia militar, astrologia e cosmologia (SIONNEAU, 2014).
Essa teoria tornou-se a base estrutural da Medicina Tradicional Chinesa, aparecendo de forma sistematizada no Huangdi Neijing, na qual a compreensão do yin e yang é de suma importância para o entendimento do próprio ser humano e sua relação com os ciclos vitais. Neste período, a integração entre as escolas filosóficas e os saberes médicos trouxe maior objetividade e rigor empírico à medicina, ao mesmo tempo em que manteve seu fundamento cosmológico. A concepção de saúde passou a ser orientada não por forças sobrenaturais, mas por princípios naturais que regem os fenômenos do universo (SIONNEAU, 2014).
Na Medicina Tradicional Chinesa, a saúde é entendida como o resultado da harmonia dinâmica entre yin e yang. No primeiro capítulo do Su Wen, o Imperador Amarelo pergunta ao mestre Qi Bo sobre a razão pela qual os antigos viviam com saúde e longevidade. Qi Bo responde que isso se devia ao fato de que eles “regulavam sua conduta de acordo com os princípios do yin e do yang” (WANG, 2013, p. 25). Nesse sentido, como afirma Rochat de la Vallée (2019, p. 16), “qualquer patologia é um desequilíbrio na harmonia, sempre mutante, dos sopros yin-yang”. Como a doença é manifestação de um desequilíbrio de yin e yang, a terapêutica, portanto, consiste em corrigir tais desequilíbrios (CORDEIRO, 2021).
Em condições normais, os órgãos Zang são considerados yin, em relação aos órgãos Fu, que são relativamente yang. Cada órgão Zang-Fu manifesta tanto aspectos yin quanto yang, os quais se refletem em suas funções específicas: o yin está associado à essência, ao sangue, aos líquidos e à estrutura; enquanto o yang se relaciona ao movimento, à função e à energia ativa. Essa lógica também se aplica ao próprio movimento: o movimento descendente é classificado como yin em relação ao movimento ascendente, que é yang, e assim sucessivamente (ROCHAT DE LA VALLÉE, 2019).
Por fim, é importante destacar que a teoria do Yin-Yang não é apenas um conceito abstrato, mas um princípio operativo fundamental na prática clínica da Medicina Tradicional Chinesa. Todo processo patológico é interpretado como uma ruptura na harmonia entre Yin e Yang, e a terapêutica visa justamente restaurar esse equilíbrio dinâmico. Se há excesso de Yang, busca-se dispersá-lo; se há deficiência de Yin, nutre-se o Yin; e assim por diante, sempre considerando a totalidade do quadro clínico. Esses princípios, fundamentam uma ampla gama de abordagens terapêuticas — da acupuntura à fitoterapia, da massagem (Tui Ná) à dietoterapia —, orientando o raciocínio diagnóstico e a escolha dos tratamentos (SIONNEAU, 2014).
OS CINCO MOVIMENTOS – WU XING (五行)
Segundo Sionneau (2014), o conceito de Wu Xing (五行) deriva das cinco direções da dinastia Shang (séculos XVIII-XI a.C), definindo-se em norte, sul, leste, oeste e centro. Com o passar dos anos, no período das Primaveras e outonos (770-476 a.C) surgiu o conceito de cinco materiais, a saber: madeira, fogo, terra, metal e água. Estes materiais tinham enorme importância no desenvolvimento da civilização chinesa da época. Os sábios deste período passaram então, a desenvolver conceitos a partir disso, deixando então “de ser simples materiais para se tornarem uma doutrina abstrata explicando o mundo” (SIONNEAU, 2014, p.132).
Segundo Rochat de la Vallée (2019) o caractere xing (行) representa o movimento de andar. O número cinco “wu” (五) organiza as transformações de sopro em torno de um centro. Sendo assim, “os cinco movimentos são uma interpretação do mundo, uma leitura dos fenômenos e dos seres, sempre em movimento e em transformação, que compõem a realidade do universo” (ROCHAT DE LA VALLÉE, 2019, p. 114).
As primeiras referências aos princípios que mais tarde formariam a teoria dos Cinco Movimentos aparecem em textos antigos como o Shū Jīng (Clássico dos Documentos) e o Lǐ Jīng (Clássico dos Ritos), antes da dinastia Han. No entanto, é durante a dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.) que a teoria amadurece e se consolida, sendo claramente associada às doutrinas do Yin-Yang. Inicialmente, as ideias de Yin-Yang e dos Cinco Movimentos se desenvolveram de forma independente, mas foram integradas em um sistema coerente a partir do trabalho de pensadores como Zōu Yǎn (c. 300 a.C.), que é reconhecido como um dos grandes sintetizadores dessas doutrinas. Sua escola, mais tarde chamada de Escola do Yin-Yang e dos Cinco Movimentos, unificou visões filosóficas, cosmológicas e médicas sob uma estrutura sistemática (SIONNEAU, 2014).
Segundo Rochat de la Vallée (2019), Yin e Yang, em sua constante interação e transformação, originam os Wu Xing — Água, Fogo, Madeira, Metal e Terra. Quando elas se distribuem de forma harmoniosa, as quatro estações seguem seu curso natural. Os cinco movimentos manifestam-se como expressões do Yin e do Yang, que por sua vez derivam da Suprema Polaridade. E essa Suprema Polaridade tem suas raízes no estado primordial da Não-Polaridade. Ao emergirem, cada um dos cinco movimentos revela sua natureza singular e própria. “As atividade cósmicas dos Cinco Elementos são analogicamente, no homem, as atividades dos seus Cinco zang” (ROCHAT DE LA VALLÉE, 2019, p. 116).
No Huángdì Nèijīng (Clássico do Imperador Amarelo), essas analogias são descritas com riqueza de detalhes. Por exemplo, afirma-se que “o leste produz o vento; o vento faz crescer a energia da madeira; a madeira gera o sabor ácido, que nutre o fígado, e o fígado governa os tendões” (HUANG DI, 2013, p.333). Em outro trecho, lê-se que “o sul produz o calor; o calor faz prosperar o fogo; o fogo produz o sabor amargo, que nutre o coração; o coração gera o sangue, e este pode nutrir o baço” (WANG, 2013, p.333). Esses trechos revelam que, o pensamento chinês, se dá por meio dessas correlações entre macro e microcosmo.
A partir dessas observações, os cinco movimentos foram sistematizados como princípios organizadores tanto da natureza externa quanto da fisiologia interna, estruturando os fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa. A seguir, apresenta-se uma tabela com as principais correspondências descritas nos textos clássicos:

Fonte: SIONNEAU, Philippe. A essência da medicina chinesa. São Paulo: Madras, 2014. p. 155.
Essas correspondências representam modos de atividade e expressão das forças vitais, que se revelam através dos órgãos, das emoções, dos sabores, das direções e dos climas. Cada movimento é, ao mesmo tempo, manifestação sensível e princípio organizador. Assim, Madeira não é apenas uma direção ou estação: é também o vento, o sabor ácido e a raiva que mobiliza a ação, e isso pode ser aplicado aos demais movimentos (ROCHAT DE LA VALLÉE, 2019).
Artigo escrito por: Gabriel Simon Garib. Psicólogo (UEL), especialista em Acupuntura (ABA), professor de Chi Kung e Tai Chuan da Família Yang. Idealizador do Instituto Mãos de Nuvens.
REFERÊNCIAS
ROCHAT DE LA VALLÉE, Élisabeth. 101 conceitos-chave da medicina chinesa. Tradução: Jean-Pierre Bernadou. São Paulo: Editora Ínverso, 2019.
SIONNEAU, Philippe. A essência da medicina chinesa: retorno às origens. Livro 1. Tradução de Silvia Ferreira. São Paulo: EBMC, 2014.
BRASIL. Na América Latina, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão. Ministério da Saúde, Brasília, DF, 22 set. 2022. Disponível em: (acesso via gov.br).
CORDEIRO, Ruy Cesar. Acupuntura: fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa. 7. ed. São Paulo: PoloBooks, 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 971, de 3 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 4 maio 2006. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_praticas_integrativas_complementares_2ed.pdf. Acesso em: 10 jul. 2025.